quarta-feira, 20 de julho de 2011

Encontrei meu nome!

Eu tinha apenas 14 anos, e já notava o quanto as pessoas consideravam 
aquela senhora repulsiva.

Seu nome era Conceição. Trajava uma blusa azul rasgada, uma muleta
metálica toda esfolada, um prendedor de cabelos amassado, um vestido
até os joelhos e sempre se sentava no último banco.

Sabíamos que nunca a igreja ficaria fechada, fosse no Carnaval, com 
os retiros, fosse no dia de Ano Novo, Natal, Dia da Pátria ou qualquer 
outro evento em que quase todos viajassem.
A irmã Conceição não faltaria. Isso era tão certo quanto dizer que Belo 
Horizonte fica em Minas Gerais.

Mulher pobre, morava com uma filha solteirona.
Notava-se que tinha pouca higiene, não por ser suja, mas por ser idosa 
e não haver pessoas que cuidassem dela. Seus outros filhos eram todos
já sessentões e haviam seguido caminhos tortuosos, alguns eram 
bêbados, outros vagabundos, enfim, não era o que se esperava de uma 
família cristã.

Ah, mas isso fora resultado de uma vida sem Deus em outros tempos. 
Vinda de Portugal, Conceição não tinha o temor do Senhor.
Viúva precoce, lutou como poucas para sustentar os seus filhos. Lavou
roupas, foi doméstica, fez salgadinhos, ela foi uma heroína. Agora, idosa,
já pelos 90 anos, estava na época de usufruir da gratidão dos filhos que,
infelizmente, não acontecia.

Há alguns anos Conceição conhecera a Cristo durante um culto ao ar livre. 
O irmão Idelino Lopes de Oliveira, hoje Pr. Idelino, pregava num culto
da pracinha. Conceição o ouvia com atenção, até que, não podendo mais
evitar a emoção e o desejo, entregou-se a Cristo, tornando-se naquela
tarde mais uma remida pelo   Cordeiro de Deus.

Foi batizada e desde o início tornou-se membro de nossa Igreja (Batista 
de Sumarezinho, São Paulo, SP). Eu, convertido aos 14 anos, já a 
encontrei com  anos de igreja.

Mas eu percebia algo impressionante: Conceição nunca fora eleita
para cargo algum. Seu nome nunca fora cogitado para nada, nunca
compôs qualquer comissão, jamais estivera à frente de qualquer 
atividade da igreja.

Aliás, as pessoas nem gostavam muito dela, principalmente de 
pedir-lhe que orasse. Suas orações eram longas, comovidas, sua
voz era trêmula, suas palavras difíceis de se entender, com mistura
de sotaques.

Geralmente ela entrava muda e saía calada, apesar de alguns a 
cumprimentarem quando não tinham outra opção. Pela manhã e 
à tarde, ao abrir os portões, a zeladora contemplava Conceição,
a primeira a chegar. E ao término das atividades, quando a bênção era
impetrada, Conceição ia embora, descendo a ladeira, mancando com 
sua velha bengala.

Quantos problemas nossa igreja passara em 4 anos!
Problemas com membros, problemas entre igreja e pastor, problemas
de saúde, problemas de assalto, problemas de toda espécie.

Mas, miraculosamente, no meio das aflições e da expectativa de estarmos no 
final da estrada, sem a mínima possibilidade de solução, sem futuro, uma 
bênção inesperada acontecia, um novo caminho e uma brilhante solução 
despontava ante os olhos estarrecidos e estupefatos de toda a congregação. 
E, ao darmos graças, lá estava Conceição, quietinha, lágrimas nos olhos e
sempre uma palavra de Conforto para nos dar.

Deixei a igreja para congregar em outra. Foi lá na outra que recebi a notícia:
Conceição adoeceu e quer vê-lo. Meu Deus, ela adoecera mais ainda?
E agora? Fui visitá-la. Tadinha, sofria tanto naquela cama, sem cuidados, 
mas estava tão feliz e alegre! Ela orava, e orava, e orava!!! Não havia o que
confortá-la.

Eu é que saí confortado! Certa noite o pastor disse que ela pediu para que 
deixassem-na partir para a Glória Celestial, pois Jesus a chamava. 
E Jesus a levou.

Passados os primeiros dias, a igreja tomou conhecimento de um tesouro
inigualável, algo assustador, maravilhoso, celestial, impressionante. Entre
os seus míseros e parcos pertences (um móvel velho, sua cama quebrada, 
seus farrapos de vestir, seus velhos objetos e bíblia), encontraram cadernetas.

Havia cadernos e mais cadernos, cadernos surrados, cadernos velhos, rotos, 
costurados, amarelados, com letras tão mal-escritas, à lápis, à caneta, à pena, 
cadernos escritos por dentro e por fora. Eram os CADERNOS DE ORAÇÃO.

Descobrimos que Conceição era muito mais do que qualquer um de nós 
poderia imaginar. Encontrei o meu nome naquele caderno.

Encontrei quando entrei na igreja como visitante, encontrei quando adoeci 
mortalmente em 1982, encontrei anotações de agradecimento, e pelo futuro
ministério que um dia teria. Encontramos os nossos nomes todos ali.

Aos poucos começamos a entender porque Sumarezinho nunca sucumbira 
ante os ferrenhos ataques terroristas do Diabo: Conceição não dormia, ela 
orava! Ela clamava!

Vi o nome de quem nunca a cumprimentou! Vi o nome de pessoas que a 
chamavam de "velha fedida"! Vi o nome de gente granfina que nunca 
imaginou ser alvo das orações de alguém.

Ali estava um tesouro incomensurável, em "vasos de barro", em papel
velho e amarelo, que representava muito mais do que todos nós um dia 
já havíamos oferecido a alguém ou a Deus.

O meu nome estava lá. Cada situação, cada dificuldade, cada desafio.
Conceição orava por mim. E por que? O que eu havia feito para merecer
as suas orações?

O que os pastores que nunca a recomendavam para cargo algum faziam
para figurar em suas constantes súplicas? Cada presidente da República,
cada artista de TV, cada pregador visitante, cada criancinha que nascia, 
estávamos todos lá, sendo apresentados a Deus pela Conceição.

Minhas palavras na época foram: "Meu Deus, quem ocupará o lugar 
dela?" Ninguém. Aliás, ninguém de que se tenha notícia, pois pode
bem acontecer de outra Conceição ter se colocado "na brecha" e 
esteja orando, orando, orando...

Como sinto vergonha, dor, rubor de faces, ante a grandeza da 
Conceição e a minha pequenez! Ela nunca pediu NADA para si, 
nada havia em seus cadernos por si própria, mas pedia tudo para 
os outros! Que resignação, que vida em prol do próximo, que 
abnegação desmedida!

Conceição é uma das heroínas da fé que passearão com Cristo 
com vestes resplandecentes e coroa na cabeça. Em lugar 
da muleta terá palmas para  saudar o Rei por quem viveu o 
tempo todo em que foi crente. Seu nome está não em um caderninho, 
mas no Livro da Vida do Cordeiro!

E eu me pergunto: quem, além da Conceição, foi tão esquecido quanto ela? 
Nós não éramos dignos de uma mulher de sua qualidade e coração! Ela foi
"um dom de Deus" para nós, foi a nossa intercessora.

O que eu tenho sido nas mãos de Deus? O que nós temos sido diante 
d’Aquele que um dia teve aos Seus serviços uma serva como Conceição?

Quisera eu que mais Conceições surgissem hoje. Talvez pela falta 
delas é  que nossas igrejas estão tão pobres espiritualmente, ainda 
que muitas tenham tesouros que a traça corrói e os ladrões roubam!

As riquezas que Conceição buscava as nossas igrejas hoje têm esquecido, 
por isso cambaleiam ante os "Boeings" que o Diabo-Terrorista atira contra as
nossas estruturas interiores.

"Senhor, obrigado porque um dia houve uma Conceição que orou por mim". 
Obrigado porque as orações dela foram atendidas. Ajuda-me, Senhor, a 
seguir o exemplo daquela tua serva, há tantos anos dormindo em Cristo, 
para que novos heróis e heroínas na fé se apresentem para ocupar a
brecha que ficou vazia.

Pr. Wagner Antonio de Araújo

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